Quando ele foi parido, perdeu-se entre as palhas de coco babaçu que residiam as imediações das folhas de bananeira dispostas no chão, onde a cobra grande da lagoa, Dona Rosalina, escolhera para expelir de seu corpo sinuoso e escamado, o ser que abrigava no ventre.
O menino cobra se rastejou cego no solo, envolto em sangue e peçonha, contorcendo-se no trapézio dos gravetos dispersos no babaçual. Trocara de pele e assumira a forma de menino loiro, em tenra idade, corpo de guri, olhos de serpente, dentes de garoto, língua de áspide.
Caminhou sedento de leite e pão, não sabia falar para além dos sibilos e se alguém que fosse ou voltasse para sua roça tentasse se aproximar, a fome que o animava não o impedia de em um bote certeiro, cravar os dentes humanos na epiderme de seus semelhantes.
A lenda se espalhara e nas rodas de conversa ao pé das fogueiras, enquanto os homens narravam coisas sobre o ser encantado, no satuba, o infante mamava nas tetas de uma mãe d’água e dormia embalado pelo coaxar dos sapos insones.
Enroscando-se na árvore frutífera que solitária residia no largo da capela, durante o dia, quando os sinos dobravam, ouvia as homilias do velho frade, contemplava as famílias que iniciavam o dia participando dos ritos religiosos católicos, mas quando a noite desabava o véu de luar no largo, o garoto flutuava entre os umbrais auriculares dos camponeses e sibilava palavras de perdição, uns faziam ouvidos de mercador, outros abriam a boca da alma e com os dentes do desejo devoravam a maçã envenenada.
O menino cobra regressava à árvore e na entrada da aldeia que já ardia nas chamas do pecado, não havia querubim de espada flamejante, todos arderiam naquele paraíso, osculados pelo beijo inocente da serpente fedelho.
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