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O Encantado no Boqueirão

Antes que a visão do paraíso se descortinasse...

31/08/2021 às 09h13
Por: Redação Fonte: Por Theotônio Fonseca
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Foto: Ilustração
Foto: Ilustração

Ele era lusitano, não de linhagem nobre, um camponês que resolvera desbravar as longínquas paragens de além mar. O barco onde o marinheiro esquálido pelas intempéries oceânicas habitava, em seu barco adornado de pequenas estatuetas representando sereias, repousavam fantasmáticas recordações de tempestades e nevoeiros, por entre a trama daquela madeira escorriam as formas miasmáticas do que restara dos marujos mortos, derrotados pela peste.

Solitário, o navegante tangenciava com os dedos inconsúteis da recordação, o fado de sua aldeia, o bandolim das serenatas perdidas, o vinho barato das tabernas e o aconchego de sua empobrecida família, com o anzol da revisitação ao passado pescava estrelas de antanho perdidas entre os sargaços da saudade.

Não havia esperança de chegar vivo à Ilha de Upaon-Açu, o canal do boqueirão tinha suas sutilezas, não se navegava aquela vereda do Golfão Maranhense sem a perícia de quem conhece os segredos das águas.

O homem do campo que se fizera navegador pela força estranha da necessidade e da ambição de encontrar além dos umbrais celestinos do oceano, a Eldorado que diziam residir entre florestas sem fim e homens que caminhavam desnudos como os primevos habitantes do Éden, sabia que a hora derradeira se avizinhava e tomando do velho rosário que trazia no alforje andrajoso, começou a declinar seus últimos padre-nossos e ave-marias.

Antes que a convulsão das águas devorasse a embarcação trôpega que singrava o sorvedouro daquela odisseia, antes mesmo que o sopro de vida abandonasse o corpo magro e tostado pelo sol inclemente, as chagas abertas vociferavam tatuagens de sal e sangue na pele ferida.

Antes que as visões do paraíso se descortinassem, os olhos moribundos oscularam o astro rei em sua violência do meio dia, antes que as pálpebras cerrassem seu véu, eis que um tremendal se abrira nas ondas e o lusitano se encantara, antes que o suspiro final irrompesse de sua boca carcomida de fome, para reaparecer na encantaria da ilha dos lençóis, vassalo agregado à corte opulenta do Rei Sebastião, que percorre as cálidas areias, sob a assombrosa forma de touro negro.

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Theotonio Fonseca
Sobre o blog/coluna
Theotonio Fonseca é professor, poeta, escritor, Bacharel em Direito e Pós-Graduando em Direito Tributário pela PUC/MG.
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